05/08/2021
Aperto Certo
Artigo – Aperto certo
por: Fernando Landulfo
Desde os tempos mais remotos da reparação mecânica que o aperto dos parafusos, porcas e respectivos prisioneiros é um assunto bastante discutido. E não é para menos. A integridade desses importantes elementos de fixação está intimamente ligada ao bom funcionamento e à durabilidade dos mais diversos conjuntos mecânicos.
A falha de um único desses elementos, pode levar a inutilização de todo um conjunto (motor, transmissão, diferencial etc.).
Ora, todo mecânico sabe que um cabeçote mal apertado pode levar à queima da junta do cabeçote, ou mesmo ao seu empenamento. Da mesma forma que uma capa de biela mal apertada pode levar à quebra da parede de um bloco de motor. Também é sabido que determinados parafusos precisam ser substituídos após um determinado número de desmontagens.
E os procedimentos para remoção inspeção e instalação (com ou sem substituição) desses componentes, via de regra, são levados muito a sério. Afinal de contas, uma “bobeada” pode significar um belíssimo prejuízo.
MAS POR QUE EXISTEM REGRAS TÃO RÍGIDAS?
A resposta está num assunto bastante estudado na engenharia mecânica: o dimensionamento.
Chama-se dimensionamento o procedimento pelo qual o engenheiro determina as dimensões e o material com que uma determinada peça será fabricada. Para tanto, levam-se em consideração os esforços (forças e torques) estáticos (equipamento parado) e dinâmicos (equipamento em funcionamento) que a peça irá sofrer, assim como, as características (resistência e comportamento a diferentes esforços) do material que se pretende utilizar e o tempo de vida útil que a peça deve ter (fadiga).
ESFORÇOS
Ao fazer um dimensionamento, o engenheiro precisa considerar os maiores esforços que podem ser aplicados sobre a peça, assim como, o tempo estimado que essa condição irá perdurar.
No caso dos parafusos e prisioneiros, mais especificamente, os principais esforços que incidem sobre os mesmos são: as forças normais e as forças cortantes.
Força normal é aquela que atua na direção do eixo longitudinal da peça. O seu efeito sobre a mesma vai depender do sentido de aplicação: tração (“esticamento”) ou compressão (“encolhimento”).
Força cortante é aquela que atua perpendicularmente ao eixo longitudinal da peça. O seu efeito sobre a mesma é o de seccionamento (corte).
O maior esforço que o elemento de fixação pode receber (carga total) é a soma do esforço gerado pelo aperto, mais o esforço gerado pelas peças que ele está unindo.
(Foto por Tekton)
O APERTO SERVE PARA
– Evitar o deslocamento relativo entre as peças que estão sendo unidas por meio da criação de uma força de atrito entre as mesmas;
– Evitar que a união se desfaça por meio da aplicação de uma força externa;
– Gerar uma força de atrito entre o elemento de fixação e as peças a serem unidas, que dificulte o seu afrouxamento em situações de vibração.
À primeira vista poderíamos dizer, então, que quanto mais apertado o elemento, melhor. Mas isso não é verdade. Cada material de construção mecânica possui um limite de elasticidade que precisa ser respeitado. Esse limite é determinado em ensaios de laboratório.
Ao ser apertado, um parafuso ou prisioneiro é tracionado (esforço de “esticamento”). Se durante o seu aperto limite de elasticidade do material for ultrapassado, o mesmo escoa. Com isso tem-se um aumento de comprimento permanente do elemento de fixação (a famosa expressão: o parafuso estica). Em alguns casos extremos o elemento de fixação chega a quebrar!
Resultado: a força de união desaparece ou fica bastante diminuída (quando o elemento não quebra).
Isso sem falar na grande possibilidade de se espanar os fios das roscas, empenar as peças que estão sendo unidas e esmagar as vedações provocando vazamentos. Em outras palavras: não se deve apertar os parafusos nem de mais, nem de menos.
O torque recomendado pelo fabricante não só proporciona as forças de atrito necessárias para manter a união estável, não permite que os elementos de fixação se soltem durante as vibrações, mas também respeita os limites de elasticidade dos materiais que compõe os elementos de fixação.
(Foto por Glenn Hansen)
E DE ONDE VOU TIRAR ESSES VALORES DE TORQUE?
Da fonte mais confiável: o manual de serviço do veículo.
A Internet tornou bem mais fácil a obtenção de informações técnicas. Mas se não as encontrar por lá, com certeza a biblioteca técnica de uma entidade de classe ou uma escola técnica, como o SINDIREPA e o SENAI, certamente poderão ajudar.
E COMO SABER SE APLICO O TORQUE CERTO?
Simples, utilize a ferramenta certa: o torquímetro.
Os torquímetros são ferramentas de aperto que indicam o torque aplicado sobre o parafuso ou porca. São fabricados em diversos tamanhos, a fim de atender diferentes faixas de torque.
E como não se trata de uma ferramenta cara, ter algumas unidades na oficina pode trazer uma série de benefícios.
(Foto por jeanvdmeulen)
MAS É PRECISO TOMAR ALGUNS CUIDADOS
O torquímetro é delicado. Precisa manuseado e ser guardado com cuidado.
O torquímetro precisa ser periodicamente calibrado para que a sua medição seja confiável.
Nesse ponto, é preciso mencionar que alguns fabricantes recomendam, além do uso do torquímetro, o chamado “aperto angular”. Trata-se de um aperto complementar (após o uso do torquímetro), medido em graus. Nesse caso é preciso adquirir uma ferramenta específica chamada: goniômetro.
Um outro ponto importante a ser observado é o escalonamento do aperto. Muitos fabricantes recomendam o aperto em etapas. Isso ajuda a proporcionar uma uniformidade a união, evitando empenamentos e esmagamentos e não deve ser desprezada.
Uma dúvida que costuma surgir, com relação aos elementos de fixação, diz respeito a troca dos parafusos e prisioneiros.
Todo Guerreiro das Oficinas sabe que os parafusos e prisioneiros de “responsabilidade”, como aqueles que fixam o cabeçote ao bloco, tem vida útil pré-definida. E os manuais de serviço sempre enfatizam esse fato.
No passado, podiam ser reutilizados por uma ou duas vezes. Atualmente, na maioria dos casos, precisam ser substituídos a cada intervenção. E a razão é simples: limite de escoamento e fadiga.
Logo, não confie na sorte. Se o manual manda trocar: troque.
Um terceiro ponto importante, que precisa ser sempre observado, é a ordem de aperto ou afrouxamento dos elementos de fixação. Quando recomendada pelo fabricante, evita que as peças unidas empenem.
Aqui também não se deve confiar na sorte: siga o manual.
Fonte: O Mecânico
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